Quando peço uma mordida de um chocolate ou de um picolé, sei que vai vir choro em seguida. Minha boca é grande demais, e o pedaço que arranco com os dentes deixa qualquer criança revoltada e é uma revolta difícil de conter.

Tento sempre vir com uma moral da história, alguma justificativa para que não haja choro da próxima vez. Um pai que não tenta ensinar sempre os filhos não é pai, é tio. Meu papel é, de alguma forma, achar sentido em joelhos ralados, peixinhos que morrem e mordidas grandes demais em picolés.

“Não chore pelo que perdeu, agradeça pelo que sobrou”, digo sempre para minhas crianças chorosas que, coitadas, além de doce a menos ainda têm que ouvir meus sermões. “Olha o quanto ainda tem de doce! Normalmente você não consegue comer o doce inteiro! Não fica irritada com a mordida, agradece que ainda tem doce na sua mão!”, eu digo. Minha filha está tão revoltada que sente vontade de jogar o resto do doce no chão, impulso não atendido porque suas papilas gustativas estão salivando.

O ano não foi fácil, como já disseram, mas eu não posso fazer coro com quem diz que já vai tarde. Tenho que ter alguma coerência e, quando me tiram parte do doce, agradeço pelo que sobrou.

Teve um ano em que eu quase morri com pneumonia. Conheci uma praia do Nordeste neste mesmo ano. Teve um ano em que minha mãe se acidentou e ficou 15 dias na UTI. Antes disso, eu tinha feito uma viagem de carro incrível. Teve um ano em que quebrei a perna. O mesmo ano em que minha filha nasceu. Acho que, se a gente olha pro que ganhou, aprende que não existe ano ruim. Tem ano difícil, nos quais muita coisa incrível acontece. Por mais complicado que seja, quero valorizar o que sobrou. Mesmo que, às vezes, a mordida tenha sido grande demais. Vamos celebrar que existam picolés. 

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